Capítulo 01 – Encarar a realidade
Um forte trovão despertou Aurora que dormia como uma pedra por passar mais uma noite atormentada emocionalmente, e dessa vez com uma garrafa de vodka na metade, e um copo com um pouco de líquido do resto da noite anterior.
Ela acordou assustada, ainda com os olhos fechados, e uma terrível dor de cabeça que nunca tivera sentido antes.
Havia um boato que dizia que beber fazia aliviar as dores emocionais. E essa foi a primeira vez que ela teve que recorrer, pois não queria encarar a realidade que lhe cercava.
Ainda com os olhos embaçados, colocou as mãos debaixo do seu travesseiro, e pegou o seu celular.
Se sentou na cama e abriu as suas notificações, e viu que havia várias mensagens da sua amiga Dafne:
‘Cadê você?’
‘Deu certo identidade falsa?’
‘Estou muito preocupada, você saiu para comprar bebida e não voltou a falar comigo mais.’
‘Pq não me responde? Já vou denunciar na rede social desaparecida’ – então, Aurora fechou as mensagens e foi logo ao aplicativo verificar.
‘Não, não, não…’ Pensou Aurora, desesperada abrindo o Facebook, ciente que Dafne era capaz de fazer coisas impulsivas quando era dominada pelas suas preocupações.
Logo, suspirou aliviada vendo que não iria passar mais essa vergonha nessa cidade. Em seguida, digitou:
‘Você quase me mata do coração!!! Ufa, ainda bem que você não postou nada. Desculpe não ter te respondido ontem, sei que você se preocupa comigo, mas eu queria ficar um tempo sozinha. Estou bem, e hoje vou voltar ao trabalho. Vou começar a me arrumar aqui’. E clicou em enviar.
Respirou fundo antes de criar forças para levantar e se olhar no espelho.
Seu rosto estava completamente abatido, seco e pálido, logo sentiu o seu bafo, e foi direto para o banheiro tomar um banho para ver se recuperava um pouco mais da sua dignidade.
Ela não estava preparada para voltar a sua rotina normal.
Há uma semana atrás perdeu a sua avó por um maldito câncer, ela era a única que cuidava do jeito que podia dela, logo após a morte da sua mãe que faleceu quando Aurora tinha doze anos de idade.
Essa semana, ela completaria dezessete.
Mas isso só despertava mais tristeza, pois ela se lembrava daqueles momentos com avó e a mãe na cozinha fazendo bolo, e docinhos. Momentos que não existirão mais no presente, só na memória.
Enquanto pensava nisso no banho, chorava o que lhe restava de lágrimas e sua dor de cabeça piorava cada vez mais.
Pensava que podia ter feito mais, conseguido mais dinheiro, se tivesse utilizado mais recursos, poderia ter salvado a sua avó.
Essa culpa havia consumido o seu coração.
‘Droga, Aurora! Seja forte, a sua avó lhe disse para você ser resistente…agora ela e a minha mãe continuarão me guiando pelos céus’. Pensou, passando a mão nas suas bochechas e lavando o seu rosto.
Assim que terminou o banho, ela se enrolou na toalha, e se olhou no espelho novamente.
Seu rosto estava todo vermelho, logo, ela começou a passar uma base com mais cobertura, e fez uma maquiagem de rotina para ir trabalhar: base, rímel, blush, e um batom cor nude.
Ela trabalhava desde os catorze anos como atendente em uma pequena cafeteria no período da tarde, guardava as suas economias em uma poupança, e também ajudava com as despesas de casa.
Mas agora ela não teria ajuda da sua avó para ajudar nas despesas, e o salário de meio período não era o suficiente para manter a vida todas as necessidades da sua vida.
A sua avó tinha deixado duas casas de herança, uma tinha sido vendida para as despesas médicas, e outra ficou na condição judicial para o irmão da sua mãe – George, que é o seu tio.
Ela não podia ter muitas esperanças perante alguma herança, sabia o gênio de George, ele esperava o momento para colocar a mão do que era por direito da sua avó, e também não tinha forças para entrar em qualquer luta judicial nesse momento.
Por ora, Aurora morava no apartamento que George considera seu, pois ele morava na capital, e ainda não havia retornado para falar nada depois do funeral.
Depois da maquiagem, Aurora hidratou o seu corpo, penteou o seu cabelo, vestiu uma calça jeans, t-shirt branca, colocou uma jaqueta preta de couro por cima, calçou a sua bota coturno.
Foi em direção a área de serviço procurar um guarda-chuva, e teve um leve susto quando ouviu a campainha.
‘Dafne tinha que me visitar agora?’ Ela pensou enquanto revirava os olhos.
Ela foi em direção da porta com uma postura hesitante já pensando no que iria falar para não enrolar e não chegar atrasada no trabalho.
Quando ela e Dafne se uniam era assunto que não acabava. Ela amava a sua presença, mas precisava encarar a realidade hoje.
Abriu a porta, e cambaleou para trás, incrédula, sem acreditar no que estava vendo.
“P-p-pai?” Ela arregalou os olhos e ainda recuperava a respiração do susto.
“Olá Aurora, quanto tempo…não é mesmo?” Ele sorriu com um rosto inexpressivo.
Mesmo não acreditando no que estava vendo, assumiu uma postura ereta, olhou para o rosto dele, e perguntou:
“O que você está fazendo aqui?”
“Nossa, você não vai nem me dizer ‘olá’, ou me convidar para entrar?” O pai dela disse já empurrando a porta com força, arrastando a filha para dentro, e colocando o seu guarda-chuva molhado encostado na parede perto da entrada.
Depois de fazer isso, completou:
“Não importa, vamos nos sentar na sala, trouxe aquele café para você.”
Hanzel suspirou pesadamente, e proferiu com um tom amargo na voz pensando alto:
“Veja só esse lugarzinho…não mudou nada.”
Ela olhou para o saco que o pai carregava com a logomarca da empresa de café do seu atual emprego, e se perguntou o que ele foi fazer lá já que nunca havia pisado os pés dentro da casa da sua avó enquanto ela era viva.
Se sentindo muito desconfortável com a situação, ela ignorou toda essa entrada, cruzou os braços, e esperou até que ele começasse a falar.
O que podia vir daquele homem não era boas intenções, mesmo sendo o seu pai, ela tinha um mal pressentimento.
Após um momento de silêncio, ela já estava impaciente.
Aurora reparou que ele ainda observava o ambiente, e retirava dois copos de café recicláveis do saco.
“Por que foi no meu local de trabalho? Por que veio me procurar? Já te adianto, não quero nada de você.” Ela exprimiu com ansiedade, esperando que ele fosse embora dali o mais rápido possível.
Se pudesse ignoraria o resto da vida que àquele homem à sua frente era o seu pai.
Hanzel, pai de Aurora, era dono de bordéis, motéis, casas noturnas, de jogos, e bares na cidade, e também nas pequenas cidades interioranas aos arredores.
Seus negócios guardavam os segredos mais podres das famílias de alta classe até as mais miseráveis.
A sua diversão era pregar peças e manipular tudo à favor de ganhar mais dinheiro, e conquistar mais poder.
Era um homem que ganhava algum dinheiro, mas gastava na mesma proporção. Um péssimo administrador, por isso, os seus negócios estavam sempre à um triz.
Ele sempre precisava de investidores ou fazia alguma ameaça para conseguir o que precisava.
A reputação do seu pai afetava diretamente a vida social de Aurora, desde quando ele tinha voltado do exterior e começado a ameaçar diversas famílias . E acontecia desde quando ela tinha sete anos de idade.
Ele deixou a sua mãe quando ela tinha quatro anos de idade, e o que a sua mãe contava para ela do seu pai, era que ele havia traído ela com uma mulher qualquer, ou especificamente falando, uma prostituta.
E apesar de ser muito pequena, Aurora tinha ainda vagas lembranças daquele dia, mesmo que tivesse pouca idade, era como se tivesse aquela memória cravada no cérebro.
Quando a sua mãe pegou Hanzel traindo ela, ficou irada e muito abalada.
Aurora ainda se lembrava da fúria da sua mãe, e do seu pai que chegara bêbado naquela noite. Foi um dia terrível.
Ao percorrer do seu crescimento, foi explicado à Aurora que seu pai tinha ido embora porque ele também devia muita gente na cidade, muitos queriam matar ele, e então ele foi para o exterior quando Aurora tinha quatro anos de idade.
Deixou ela e a sua mãe para trás, e voltou quando Aurora tinha sete anos de idade, ela não entendia muito bem quem era o seu pai naquela época, mas muitos olhares de famílias e de colegas de classe a faziam se sentir retraída, e às vezes, culpada.
Ele nunca demonstrou nenhum interesse pela vida da sua filha, e desde que havia voltado do exterior não havia dado um único centavo para as suas necessidades.
Para Hanzel, ela foi apenas um acidente que havia tido com a sua mãe.
Ele não se interessava por uma vida familiar, e Aurora era a sua única filha.
Luna, a mãe de Aurora, foi a única mulher que assumiu um compromisso durante toda a sua vida.
‘Ainda bem!’ Refletiu Aurora em transe, recordando de quem realmente era aquele homem sentado na sua frente por todos os relatos que já tinham contado.
‘Imagina se ele tivesse outro filho pra ter esse tormento, só eu já basta!’
Hanzel ignorou o comportamento nervoso da filha, olhou em volta, fixou o olhar por uns 15 segundos no porta retrato de Luna, e depois encarou Aurora de novo de cima a baixo.
Ela não tinha se sentado, então ele encarou os seus quadris.
“Parece que a minha menininha cresceu…” E continuou com os seus olhos em seus quadris, cintura e logo depois fitou os seus seios, mas desviou o olhar pois a aquela jaqueta não dava para ver as suas curvas.
Ele deu um pequeno sorriso perverso com os cantos do lábios, e bebeu um gole do café.
Aurora totalmente constrangida com aquela olhada e situação, revirou os olhos, se sentou em um sofá distante do que ele estava sentado, colocou uma almofada na sua frente, e quando abriu a boca para falar algo, ele a interrompeu:
“Aurora, quer você queira ou não, eu sou seu pai. Não tem como eu ou você fugir disso. Não te visitei, e não te procurei por anos, porque sei da sua repulsa por mim, também não estava interessado em ficar atrás das suas desculpas, afinal de contas, você tinha a sua mãe e a sua avó do seu lado…” Ele fez uma pausa, ele ainda a encarava com desdém. “Ah é, isso mesmo…tinha né?”
Hanzel não se importava com os sentimentos que abalava em outras pessoas, agia estupidamente até conseguir o que queria. Não importava a pessoa que estava à sua frente. Até mesmo se fosse a sua filha.
Os olhos de Aurora se encheram de lágrimas, mas ela segurou pois não queria demonstrar qualquer emoção perto dele.
Ele levantou e caminhou até a metade da direção dela.
“Ah…não chore minha pequena…o que te resta agora?” Ele disse com um tom quase irônico, e continuou: “…o seu papai aqui, né?”
Ele andou mais três passos em direção da Aurora, e estendeu a mão com o copo de café para ela.
“Tome aqui antes que esfrie. Esse será o seu último copo de café dessa cafeteria.” Insinuou Hanzel querendo dizer algo com duplo sentido.
Ela não se moveu um centímetro, olhou para baixo para tentar assimilar essas últimas palavras.
“Ú-último copo? O que você quer dizer com isso?” Aurora sussurrou gaguejando, abalada emocionalmente.
E logo, recuperou o fôlego e disse em um tom alto: “Se afaste de mim!” Ela se levantou e deu dois passos para trás, ainda de frente pra ele.
Hanzel se aproximou dela, encostou na sua mão bochecha rosada, e disse ainda com um tom irônico:
“Querida, olha só pra você, cresceu, e certamente acha que pode fugir-“
Aurora bateu em sua mão, e deu mais dois passos para trás.
“Diz logo o que você quer!” Ela rosnou. Já estava muito irritada com essa situação.
Hanzel franziu a testa com a reação, mas depois voltou a ficar inexpressivo, virou de costas para voltar a seu lugar no sofá, e antes de se sentar, disse em um tom imperativo:
“Você vai trabalhar no meu bordel principal.” Após dizer se virou para encará-la.
“Nunca!” Aurora gritou com muita raiva no olhar.
“Essa semana você completou dezessete anos, ainda é menor de idade, não tem ninguém, não tem emprego, não tem casa, não tem dinheiro, não tem nenhuma perspectiva de futuro-“ Ele falava com muita normalidade e convicção.
“O quê?! Você está dizendo que o que você quer para o meu futuro é trabalhar no seu bordel? Eu te odeio! Vai embora daqui, e não volte nem pintado de ouro! Eu tenho um emprego, e ele é digno. Não vou seguir os seus rastros!” Gritou Aurora, furiosa.
Em seguida, deu passos firmes até a porta para abri-la e expulsá-lo.
“Você será despedida do seu emprego essa tarde, eu já resolvi isso, e você sabe como…afinal, o dono daquele negócio…” Hanzel bufou, se lembrando de uma coisa nojenta e comprometedora do dono da cafeteria.
“…enfim, você não tem mais emprego. E quem irá te dar alguma coisa sendo que você tem a reputação de ser a minha filha? Eu nem sei como você conseguiu aquele negócio que você chamou de emprego!” Ele deu uma risada baixa e esnobe.
Aurora começou a chorar de raiva. Ela não conseguia acreditar. Aquele salário era a única coisa que lhe restava para suprir as suas necessidades.
Hanzel não se importou com a sua reação, se sentou, e se sentiu acomodado.
“Aurora, eu sou responsável por você, e ao invés de te dar uma emancipação, eu vou te dar um emprego, isso não é comovente, minha filha?!” Ele olhou-a de cima a baixo de novo, dando uma gargalhada maléfica.
Depois parou, e ficou sério novamente, e completou a sua fala: “Você deveria me agradecer.”
“Vai embora!” Aurora não conseguia mais pensar em nada.
Ela estava cuspindo raiva dos olhos com a porta já aberta.
Hanzel se levantou, mexeu em seu bolso, pegou um cigarro, e foi andando em direção da filha.
“Você tem 24hrs, docinho. Não estou te dando escolha. Estou te dando um tempo para arrumar as suas coisas e ir ao meu encontro. Infelizmente, sou responsável por você até que seja maior de idade, a não ser que você consiga suprir as suas próprias necessidades, ou se case. Ah…sobre casar…” Ele fez uma pausa e colocou o dedo no próprio queixo.
“Somente sob minha autorização, afinal, é o que dita a lei.” Depois de completar a frase, Hanzel soltou mais um risadinha irônica.
E então, parou na frente dela, encarou-a no rosto, e disse com sarcasmo:
“Oh, bebezinho, não chore! O papai vai cuidar de você.” Ele abriu um sorriso malicioso, e depois ficou inexpressivo novamente.
“Não se esqueça: 24hrs. Te encontro lá-“
Antes de dizer mais alguma palavra, Aurora bateu a porta na cara dele, e trancou rapidamente.
Ela estava tremendo de nervoso e extremamente irritada. Não conseguia parar de chorar de raiva.
Estava sem chão. Não conseguia pensar, só sentir raiva. O seu coração estava consumido por aflição.
Depois de um instante, o celular dela apitou, e ela recebeu uma mensagem com a localização do bordel principal. Ela viu aquela mensagem com os olhos turvos com lágrimas, e jogou com raiva no sofá.
Tinha que ter um jeito de sair dessa situação.